Imprensa Marrom

15-04-2009 15:25

             Por algum motivo ainda não esclarecido, o diário Folha de S. Paulo tem se empenhado, nos últimos tempos, em imitar a sua pior face: a Folha da Tarde. Reproduz em pleno século XXI, os melhores momentos do jornalismo de delegacia de polícia, uma das formas com que a empresa expressava, nos anos 70, seu apoio ao regime dos generais.

 

A matéria do domingo, 5 de abril, com chamada de capa (em marrom): “Grupo de Dilma planejou o seqüestro de Delfim Netto”, estampada com manchete na página A8, recupera com certo estilo retrô, o que era o quotidiano da Folha da Tarde nos seus anos glória. Igualam-se. No estilo, no conteúdo e no método. A repórter sai brifada da redação com uma tese no caderno de notas em busca de uma entrevista que lhe sirva de âncora e de comprovação para vender ao leitor como se fosse notícia. Ao editor, cabe o resto do serviço: produzir a manchete que ilustrará, no futuro próximo, o programa eleitoral do candidato José Serra à Presidência da República, na televisão. Assim o vistoso jornal busca ampliar o alcance da sua mensagem, por outro veículo, para escapar da irrelevância, já que definha o número de assinantes.

 

A matéria, além do exame sobre seus óbvios propósitos político-eleitorais, deveria ser oferecida à análise dos psicanalistas. Hélio Pellegrino, brilhante intelectual e psicanalista mineiro-carioca, reproduzia um diálogo com seu filho adolescente, depois de algum drama familiar, para ilustrar a antiga convicção dos gregos: “tudo bem que “os filhos vieram ao mundo para destruir os pais”, mas tinha que ser à prestação?!” Parece que os herdeiros da Rua Barão de Limeira se empenham em destruir metodicamente a reputação do império construído por Otávio Frias em prestações a perder de vista...

 

Para reproduzir o ambiente policialesco daqueles anos marcados pelo medo, pela espionagem, a delação, a mentira, os assassinatos sob tortura oferecidos ao leitor como atropelamentos, tentativas de fuga, desaparecimentos, a mistificação do “prá frente Brasil”, o diário recorreu a duas entrevistas: uma com o ex-dirigente da Vanguarda Popular Revolucionária – VPR, Antônio Roberto Espinosa, hoje, doutorando da USP; outra com a ex-militante da mesma organização e hoje ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff.

 

O primeiro, no dia seguinte à publicação da matéria, desafiou o jornal a publicar a íntegra do que afirmara na entrevista para que o leitor comparasse as palavras que realmente disse com o que denominou de “imundície publicada”. O jornal respondeu com candura: “A Folha não afirmou que Dilma queria seqüestrar Delfim.”

 

A ministra respondeu com objetividade às perguntas de uma repórter que se comporta como uma patética aspirante a inquisidora. “O delegado ficou bem impressionado com a senhora depois do interrogatório. A ponto de defini-la como uma pessoa com dotação intelectual apreciável”, comenta a certa altura da entrevista. Ótimo, a Folha agora recupera a invejável condição de porta-voz da delegacia de polícia. A ministra Dilma deve ter-se sentido realizada ao ouvir as sentenciosas opiniões do delegado graciosamente transmitidas pela repórter sobre suas aptidões intelectuais...

 

Um jornal, que apesar de ter colaborado ativamente com a ditadura militar, cumpriu um papel relevante na divulgação da campanha das “Diretas Já”, nos anos 80, num momento em que esteve em sintonia com as aspirações da maioria da sociedade, deveria dar-se ao respeito. E respeitar seus leitores. Depois do árduo processo de reconstrução democrática que vivemos no Brasil, nos últimos 30 anos, não é aceitável retroceder a um jornalismo rastejante, como o praticado nessa matéria do domingo, 5 de abril.

 

Temos aí um prenúncio do que virá na campanha de 2010. E um adeus às ilusões de alguns que insistem em estabelecer com a mídia conservadora do Brasil uma relação politicamente ingênua. Como se estivessem tratando com empresas que vendem informações à sociedade, num regime democrático. A regra – e não a exceção – na mídia brasileira radicalmente editorializada, é vender opinião em lugar de notícia. Lições a aprender.

 

Pedro Tierra é membro do Conselho Curador da Fundação Perseu Abramo. 


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